Páginas

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Bíblia Sagrada - Teologia do Evangelho

INTRODUÇÃO



                        O ÁPICE DA TEOLOGIA




                        “Havendo Deus outrora falado muitas vezes e de muitas maneiras aos pais pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho”. (Hb.1:1)

                        O Velho Testamento apresenta uma revelação progressiva de Deus na medida que seu povo ia andando com ele, ou mesmo quando deixava seu caminho. Em todas as situações da história de Israel, Deus veio se revelando paulatinamente. Nesse percurso, vários nomes foram usados para Deus. Cada um representava o nível de revelação alcançado. Tais experiências vinham ocorrendo juntamente com a preparação de uma linhagem especial. Deus chamou Abraão e dele formou um povo inumerável. Dentre esse povo foi separada uma tribo : Judá. Nessa tribo foi escolhida uma família : a casa de Jessé. Desse tronco veio o ápice da revelação de Deus na história da humanidade. Da raiz de Jessé veio Jesus, o Verbo Eterno de Deus. Jesus Cristo é o ponto máximo da manifestação de Deus aos homens.

                         No passado, o conhecimento divino se dava através de visões, mensagens, sonhos, etc. No Novo Testamento, Deus vem em pessoa humana, em carne e osso, para que o homem o conhecesse como nunca antes. Jesus é o resplendor da glória do Pai e a expressa imagem da sua pessoa (Hb.1:3). Muitos não tiveram o privilégio de estar ao lado de Jesus durante sua vida terrena. Para esses, entre os quais estamos nós, Deus providenciou que a vida, a obra e a mensagem de Jesus fosse registrada, afim de que, por meio de tais registros viéssemos a crer nele e conhecê-lo experimentalmente. Tais escritos são os Evangelhos. Neles temos o glorioso testemunho daqueles que viram e tocaram na Palavra da Vida (I Jo.1:1).

                        Nesse estudo, procuraremos focalizar, de modo sucinto, a teologia dos quatro evangelhos. Nos dedicaremos a extrair a visão teológica de cada um de seus escritores, de maneira que possamos aprender um pouco mais sobre a luz que a encarnação do Verbo lançou sobre a teologia bíblica. 












                        A TEOLOGIA DE MATEUS

                       

                        O primeiro evangelho desenvolve uma teologia da história: Deus faz história com o homem de maneira única e decisiva em Jesus, Cristo e Filho de Deus. Ao cumprir a Aliança por total submissão à vontade de seu Pai, Jesus abre o futuro da Igreja e do mundo à realização das antigas promessas; transforma o presente dos homens em esperança para sempre.
                       
                        Mateus apresenta, intimamente ligados, o itinerário terreno de Jesus revelando-se pouco a pouco às multidões enquanto formava seus discípulos, e a construção progressiva de sua Igreja, comprovação para o mundo da presença do Reino dos Céus.

                       
                        1 - JESUS  CRISTO, SENHOR DA IGREJA

                       
                        O Ressuscitado anima a sua comunidade com sua presença e atuação. Dela é efetivamente, o “Senhor”, realizando a primeira profecia consignada no evangelho... “e o chamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa : Deus está conosco” (1:23).


                        MESSIAS DE ISRAEL

                       
                        Jesus é o Messias esperado por Israel e anunciado pelas Escrituras. Mateus o afirma claramente diante do particularismo judaico exacerbado após a queda de Jerusalém. Desde o primeiro capítulo (1:1,16,18  16:20  27;17), Jesus é chamado “Cristo”, quer dizer, “ungido” de Deus. Sua genealogia estabelece sua filiação de Davi e de Abraão. Por se o Messias em quem confirma a longa história das benevolências divinas, compete-lhe a última palavra; ele é o Salvador que Moisés prefigurava.
                       
                        O evangelho da infância explicita, com o auxílio dos profetas, a maneira como Jesus realiza as esperanças judaicas; Mateus atribui-lhe os títulos messiânicos tradicionais. Segundo o anúncio profético, ele nasce em Belém, cidade real; é verdadeiramente “Filho de Davi” (9:27  12:23  15:22  20:30-31). Mas Mateus rejeita o conceito de um Messias nacionalista que seus contemporâneos criaram. A fim de corrigi-lo, apela para a figura do “Servo” de Deus (8:17  12:18-23), extraídas de Isaías (Is.42:1-4); ele é rei (21:5  2:2  27:11,39,42). De toda maneira, são as Escrituras que, incessantemente, autenticam sua identidade.


           


                        O ISRAEL REALIZADO



                        Ao ressaltar a realização em Jesus das expectativas messiânicas alimentadas pelo povo eleito, Mateus determina dois tempos da comunidade da salvação: o Israel realizado e o Israel irrealizado. Através do evangelho cresce, de um lado, uma tensão entre aqueles que procuram Jesus e prendem-se a ele - multidão e discípulos -  e de outro, os “escribas e fariseus”, intérpretes titulares das Escrituras que, através dos “sumos sacerdotes e anciãos”, representantes oficiais do povo , são notórios adversários de Jesus. Este denuncia sua hipocrisia, não para rejeitá-los mas para fazê-los compreender sua recusa da realização que os pagãos vão acolher.

                        A inversão aparece tanto no início como no termo do evangelho: magos, astrólogos idólatras, descobrem o Rei dos Judeus (2:2), enquanto o rei Herodes quer matá-lo (2:16); o pagão Pilatos tenta agraciar Jesus (27:21-24), enquanto o povo da aliança recusa reconhecê-lo não sem chamar sobre si seu sangue redentor (27:25). Assim se consuma na Paixão o que  a infância anunciava. A parábola dos vinhateiros homicidas o indica com clareza: tomando sobre si a sorte dos profetas (21:39  23:34-36), Jesus, Filho de Deus, assume o pecado de Israel infiel à Aliança. Salva-o, ao mesmo tempo, pois se denuncia sua caducidade como povo particular, abre-o à universidade eclesial. A afirmação de Jesus: “O Reino de Deus vos será tirado e confiado a um povo que produza seus frutos” (21:43) anuncia a entrada na Igreja dos pagãos que acatam a gratuidade da salvação. Ao mesmo tempo, Jesus julga o Israel perseguidor (10:22-23  22:7  23:35) com carinho e faz-lhe ver sua recusa e a esperança de uma conversão (23:37-39).

                        A instituição eucarística, da qual Jesus faz sinal de seu sofrimento e sua morte, dá à aliança sua forma definitiva e seu significado decisivo em “o sangue do inocente”(27:4) “derramado por muitos para o perdão dos pecados”(26:28). A paixão de Jesus justifica a existência do Israel realizado, da qual a comunidade de Mateus faz parte. O centurião e os soldados do Calvário lhe são as primícias: no meio da assembléia dos santos ressuscitados, ele confessam a divindade de Jesus, cuja morte aparece, em Mateus, como uma “teofania”, uma aparição de deus (27:51-54). O Messias de Israel torna-se assim a esperança das nações (12:21), realizando “a Galiléia das nações”(4:15); é da Galiléia, com efeito, que os discípulos partem, no final do evangelho (28:16-20), para a missão universal.


                        O MESTRE TRAZ O REINO DOS CÉUS


                        Como autêntico Messias, cumprindo a expectativa de Israel, Jesus traz a todos os homens “o Reino dos Céus”. Este último aparece como força de cura e proclamação de uma mensagem de felicidade (4:23  9:35). Os “milagres”, ou antes, os “gestos de poder” de Jesus apresentam-se como sinais de sua missão (9:33  11:2,6  19:15,31). Ele próprio age como Servo obediente que executa a vontade salvadora de Deus, encarregando-se das enfermidade e das fraquezas dos homens (8:17). Ele usa de doçura e de piedade, atento em aliviar os seres sofredores e desprezados, e , mais ainda, em perdoar os pecados (1:21  9:2).


                       
                        O ADVENTO DO FILHO DO HOMEM



                        Com Jesus, o Reino dos Céus aproximou-se do homem (3:2  4:17). Esse Reino cresce como uma semente (13:4-9) que abre caminho através do joio (13:24-30) e torna-se árvore frondosa. O termo deste crescimento é a “parusia” do filho do Homem (24:3,27,37,39), feliz entrada na história humana da misteriosa personagem de Daniel 7:13, tornada carne em Jesus, o Rei-pastor, juiz e salvador das nações (25:31-46). Inaugura, então, o Reino definitivo de Deus: através de sua morte e ressurreição, Jesus dá início aos últimos tempos (24:42,44). Daí em diante, a cada momento, no terreno da história onde a vigilância dos homens deve desenvolver-se, o Filho do Homem vem em seu Reino. No fim do mundo, o Reino do filho se identificará com o do Pai (13:41-43).

                        Para Mateus, o Filho do Homem é realmente o Filho do Deus Vivo. Antes de tudo, ele evoca a concepção virginal do Cristo (1:16,20), operada pelo Espírito santo; depois, a sua entronização messiânica no batismo, quando a voz do pai proclama a todos: “Este é o meu Filho Amado”(3:17). O hino de júbilo e louvor (11:25-27) realça a consciência que Jesus tem de sua filiação divina; esse aparece nas relações com seu Pai e na discussão sobre a identidade do Messias, Filho de Davi (22:41-45).



                        2 - A IGREJA DO SENHOR JESUS


                        Os cinco grandes discursos de Jesus desenham o perfil da vida em Igreja. Essa encontra-se reunida (10:1), instituída (16:18) e enviada (28:19-20) por Cristo. Por sua inserção no quadro da atividade histórica de Jesus, os discursos provam que é ele a regra viva e única do comportamento dos discípulos.


                        O ESPÍRITO DA COMUNIDADE


                        Os cristãos devem ser pessoas felizes, convidados a descobrir, no fundo das situações exteriormente menos favorecidas, uma plenitude nova: aquela que Jesus Cristo vive e da qual dá-lhes compartilhar. Essa é a mensagem primordial, a das “bem-aventuranças” (5:3-10); nela devemos ver um apelo para ir avante em vez de um conselho à resignação. A promessa feita em cada uma das bem-aventuranças diz respeito ao Reino de Deus, já presente pela vinda de Jesus (5:3,10), mas continuamente por receber, como realização definitiva (5:4-9).
                       
                        A “justiça” reclamada por Jesus (5:20,47) radicaliza as atitudes ordenadas pelo Lei e instaura novas relações fraternas no seio da comunidade. Exortando seus discípulos a promover o acolhimento mútuo e a reconciliação, a fidelidade conjugal e o respeito ao lar alheio, a verdade no diálogo, a benevolência humilde e generosa diante dos aproveitadores e mal-intencionados, e sobretudo o amor aos inimigos, Jesus parece prescrever-lhes uma perfeição impossível; convida-os a imitar a própria perfeição do Pai celeste. Com efeito, o essencial desses preceitos repousa na pessoa de Jesus e na revelação que ele faz de Deus; o agir de seu Pai, que se torna nosso Pai, é apresentado como modelo da ação do discípulo. Mister se faz, então, que a própria força de Deus permita-lhe realizar este impossível, sem diminuir-lhe a responsabilidade da conduta, pela qual será finalmente reconhecido (12:23) e julgado (7:23  25:40,45).



                        O SERVIÇO MISSIONÁRIO


                        A comunidade reunida por Jesus é automaticamente missionária, pois a missão nada mais é do que a participação do discípulo na ação do Mestre (10:24-25). As condições do testemunho prestado pelos enviados juntam-se à mensagem das bem-aventuranças: como seu Mestre, o discípulo terá de sofrer, mas o espírito de Jesus é prometido ao perseguido (10:20  12:28); o enviado é mensageiro da paz, mas nem sempre bem acolhido, e sua vinda será, por vezes, sinal de contradição. As lutas que, em nome de Cristo, colocam os irmãos em oposição (10:35-36), anunciam uma paz superior que nasce dolorosamente através da longa história do choque das liberdades humanas (24:8).


                         A TEOLOGIA DE MARCOS



                        É interessante observarmos que Marcos sustenta um tipo de “economia da revelação”. A confissão de Pedro marca-lhe a vertente. Antes dela, Jesus ao mesmo tempo se revela como Messias e exige ciosamente o segredo desse fato (1:34,44 3:12  5:43  7:36  8:26), revelação e segredo que atingem seu ponto culminante na confissão de Pedro (8:29-30). Por outro lado, os discípulos nada entendem do mistério de Jesus (4:41  6:51  8:16-21).

                        Depois da confissão messiânica, os discípulos continuam a mostrar a fraqueza de sua fé (9:18), mas o tema de sua ininteligência se concentra daí em diante na sorte de Jesus, e não mais apenas em sua missão (8:32). Se a menção do filho do homem já foi feita em 2;10,28, tratava-se então de seu papel terrestre. Enfim nenhum segredo é exigido do cego de Jericó que proclama em Jesus o Filho de Davi (10:46-52). Em contraprova, a intenção de Marcos poderia se confrontada com a de Mateus. Este antecipa a liberdade de proclamação em Mt.9:27  12:23  1:22  14:33. Segundo Mateus, Jesus assume antes da confissão de Pedro seu papel escatológico.

                        Marcos parece, portanto, ter querido distinguir na revelação do evangelho dois períodos: o mistério do Messias e o do Filho do homem - sendo que o segundo aprofunda o primeiro.

                        Examinando-se os pormenores, é claro que muitos matizes podem ser apresentados e uma dúvida razoável subsistirá sobre a intenção última de Marcos. Por exemplo, pode-se perguntar se os milagres da mulher sírio-fenícia e do surdo-mudo (7:24-37) devam ser vinculados à primeira ou à segunda multiplicação dos pães; se a confissão de Pedro (8:27-30) é somente conclusão da primeira parte ou introdução à segunda; se a discussão sobre a autoridade de Jesus (11:27-33) deve ser unida às três controvérsias que seguem. Ao contrário, parece mais seguro afirmar que os três anúncios da Páscoa anunciam teologicamente o início da segunda parte; isto explicaria como os matizes topográficos (9:30,33 10:1) tenham sido absorvidos na apresentação catequética da passagem. Quando muito, pode-se ver na “subida a Jerusalém”(10:32) o suporte topográfico que, em Lucas tomará valor teológico.


                        PERSPECTIVA DOUTRINAL


                        A moda crítica falou outrora do “paulinismo doutrinal de Marcos”. Loisy, por exemplo, via no segundo evangelho uma “interpretação paulina... da tradição primitiva”. Mas, pouco depois, A. Schweitzer e M. Werner mostravam que não se podia reconhecer em Marcos o vestígio de uma influência doutrinal de Paulo. As idéias paulinas características estão ausentes, somente os temas do Cristianismo primitivo aparecem.

                        O vocabulário sugere, quando muito, que Marcos viveu num meio paulino e talvez tenha conhecido I Tessalonicenses e Romanos. Mas o vocabulário da justiça, da prova, da salvação aí não se encontra. Por outro lado, ao contrário, o final canônico posterior de Marcos 16:9-20 apresenta numerosos contatos com as cartas paulinas.


                        JESUS, O FILHO DE DEUS


                        O título do livro fixa a intenção de Marcos : “Começo do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus”. Eis como Jesus mostra que é o Filho de Deus. alguns manuscritos não trazem estas últimas palavras, mas sólidas razões de crítica textual autorizam a sua retenção.

                        Contrariamente a Mateus, que semeia com abundância o epíteto de Filho de Deus, Marcos reserva seus efeitos, porque se trata provavelmente para ele do título teológico. Além da confissão do Filho de Deus pelos demônios num relato (5:7) e um sumário (3:11) , a expressão se encontra nos pontos culminantes do evangelho : pela voz de Deus no batismo (1:11) e na transfiguração (9:7), enfim na boca do centurião que , em nome dos pagãos, proclama a eficácia da morte de Jesus: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus” (15:39). O segundo evangelho quer, portanto, revelar aos pagãos a boa nova: Jesus Cristo é o Filho de Deus, no sentido próprio e não somente no sentido messiânico.

                        Esta sobriedade na apelação de Filho de Deus se reflete no uso dos outros títulos. Habitualmente, trata-se de Jesus (81 vezes), nunca de Cristo Jesus, e de Jesus Cristo comente em 1:1 e 16:19. O termo Cristo não se encontra nunca na boca de Jesus e deve permanecer sigiloso (8:29). Os títulos de Filho de Davi (10:47 e 12:35), de Profeta (6:15 8:28), de Senhor (11:3  7:28) são excepcionais.

                        Correntemente, Jesus é chamado de Mestre, mas o título que Jesus reivindica é o de Filho do Homem, e isto nos introduz mais adentro na mensagem característica do segundo evangelho.


                        JESUS, O FILHO DO HOMEM


                        O evangelho é um “apocalipse”, porque a vinda do Senhor é um mistério. Mateus o apresenta sob o aspecto do Reino dos Céus; Marcos o concentra sobre a figura de Jesus, que é o Reino em pessoa. tudo converge em Marcos para o mistério do Filho do Homem.

                        Segundo a primeira interpretação, tomada, por exemplo, por Lagrange, Filho do Homem não seria um título messiânico corrente; a passagem das Parábolas de Henoc que fala disto seria uma interpolação cristã. A expressão deveria ser relacionada à tradição de Ezequiel. Ela equivaleria a “o homem que sou, para atrair a atenção sobre sua pessoa, sem tomar abertamente, e por assim dizer, oficialmente, o título de Messias”. Somente o contexto evidente de glória em 13:26 e 14:62 estabeleceria uma ligação coma profecia de Daniel.



                        A TEOLOGIA DE LUCAS


                        Na literatura do Novo Testamento, por muitas razões, a obra de Lucas é original.

                        Enquanto Mateus, Marcos e João se concentram, aparentemente, apenas na vida de Jesus, Lucas divide seu trabalho em dois volumes, o evangelho e os Atos; distingue, assim, com maior clareza, o tempo de Jesus e os primórdios da Igreja.

                        Desde a primeira frase, Marcos tem o “evangelho” como referência de seu projeto literário. Mais modestamente, Lucas declara fazer um “relato” de tudo o que se passou.

                        Lucas é o mais grego dos autores do Novo Testamento. Maneja com certa elegância a língua comum falada então; preocupa-se em ser compreendido pelos ouvintes poucos afeitos às tradições judaicas; o leitos ocidental moderno sente-se logo a vontade em sua companhia.

                        A delicadeza de Lucas foi sempre realçada. Poetas como Dante apresentaram-no como o evangelista da “mansuetude de Cristo”; pintores, como Rembrandt nele encontraram fecunda fontes de inspiração. Relatos como o do filho pródigo ou dos discípulos de Emaús ficaram bem retidos na memória dos cristãos, e todos os movimentos do despertar religioso ao longo dos tempos, a começar pelas ordens religiosas procuraram um modelo na descrição da primeira comunidade em Jerusalém.





                        A VIDA DE FÉ


                        De Lucas 9:51 a 13:21, caso façamos uma subdivisão neste ponto, o evangelista orienta a atenção dos leitores  para a vida de fé: que significa tornar-se discípulo? Que conduta adotar para permanecer neste estado ? Alguns temas fundamentais da fé e da ética lucanas aparecem: a pertença a Deus e a seu Cristo como uma atitude de ruptura (abandono da família , de seus bens, de seus privilégios sociais etc.); uma vida de crença marcada pela oração e pela confissão de fé; a obediência que contrasta com a dos fariseus; esta obediência é caracterizada pela confiança unicamente em Deus e pela vigilância. Não se trata de vidas mais ou menos morais, mas da vitória de Satanás ou de Deus (10:18), de vidas prisioneiras do Diabo (13:16) ou submissas a Deus, um Deus que não é o justiceiro, mas o Deus atento cuja benevolência foi revelada aos humildes. Existe, pois, um contraste, uma oposição, entre aqueles que aceitam a mensagem e os que a rejeitam: “Pensais que vim estabelecer a paz sobre a terra? Não, eu vos digo, mas uma divisão”(Lc.12:51). Jesus é o sinal eficaz do amor de Deus. Para representar o Pai, Lucas coloca o Filho em cena. Os discípulos e os fariseus representam os crentes e os incrédulos.

                        Mas, para que esta manifestação do Reino chegue aos homens, urge haver intermediários : Jesus, primeiro, os Doze a seguir, depois os Setenta e dois cujo apelo e missão abrem esta parte do Evangelho (Lc.10:1-11).  É significativo que Lucas conceda um lugar privilegiado a essa missão: o discurso de envio que a Coleção de Logia associava ao mandato dos Doze, é por Lucas ligado à expedição dos Setenta e dois. A missão dos doze prefigura a evangelização de Israel, enquanto a dos setenta e dois antecipa a vocação universal dos gentios, bem encaminhada no tempo do evangelista. Se ele dá uma atenção discreta à primeira, atribui uma importância decisiva à segunda.


                       

                        A TEOLOGIA DE JOÃO

                       
                        MUDANÇAS DE PERSPECTIVA


                        Um certo número de dados que ocupavam um lugar capital nos evangelhos sinóticos são no quarto evangelho como que relegados para o segundo plano ou transformados. É assim que o anúncio do Reino, tema fundamental da pregação de Jesus nos sinóticos, não aparece em João senão uma ou duas vezes: 3:3-5 e também 18:36. Ele é substituído pelo tema da vida, conhecido aliás já dos sinóticos que estabelecem a equivalência entre “entrar no Reino”  e “entrar na vida” (Mc.9:43  10:17  Mat.18:3  19:17  Lc.18:29-30). Mas, enquanto neles a vida é sempre um bem puramente escatológico (salvo em raras passagens como Lc.15:32), no quarto evangelho, ao lado de passagens em que a palavra “vida” conserva este sentido, há um grande número de outras em que ela constitui um bem divino possuído desde agora.

                                  

                        Os sinóticos nos oferecem todo um conjunto de ensinamentos morais sobre as condições de entrada ou de existência no Reino: a pureza de intenção, a prece, o jejum, a esmola, a castidade, a fidelidade conjugal, o desapego das riquezas. No quarto evangelho, Jesus fala, sem dúvida, da necessidade de guardar os mandamentos, mas ele não se explicita sobre nenhum ponto particular. Toda a moral de Jesus é relacionada ao mandamento do amor fraterno inculcado com grande instância (13:34-35  15:12  17:17-26). É claro, aliás, que as bases desta poderosa unificação se encontram nos sinóticos.


                        ESCATOLOGIA


                        Outra modificação de grande importância: o recuo incontestável no quarto evangelho sob o ângulo escatológico; nenhum trecho apocalíptico do gênero do apocalipse sinótico, nenhuma menção da vinda do Filho do Homem sobre as nuvens, nenhuma descrição das côrtes do juizo final. A manifestação da glória de Jesus (1:14  2:11  11:4,40) , a salvação (5:24,27), o julgamento (3:18,19) são parcialmente atualizadas. Contudo, o aspecto escatológico da mensagem cristã não é rejeitado, e nada nos permite considerar como adições adventícias ao texto primitivo as passagens sobre a ressurreição corporal do fim dos tempos (5:28-30  6:39,40,44,54). É que a mística de João não é absolutamente uma mística intemporal; ao modo dos profetas e diversamente dos gregos, João conhece um progresso dos tempos, progresso que, como nos sinóticos, é ligado à pessoa de Jesus. Apenas, muito mais do que seus antecessores, ele acentua esta idéia de que no Cristo já se encontra o cume ou o fim da história do mundo. Pela morte de Jesus, o mundo é vencido e o príncipe deste mundo banido (12:31  16:33); eis porque esta morte é a “consumação” escatológica (19:30).
                       


                        A CRISTOLOGIA


                        Nos sinóticos como se disse acima, o anúncio do Reino ocupa um lugar considerável; ligado ao Reino de Deus, a pessoa de Jesus não é esquecida (Mt.11:26-30), mas não tem tanto lugar na pregação; um segredo até a envolve, e Cristo proíbe aos demônios (Mc.1:24) e também aos discípulos (Mc.8:30) de desvendarem sua identidade. Em João, ao contrário, é a revelação da personalidade divina do Salvador que aparece por toda a parte em primeiro plano; aqui nada de parábolas do Reino, mas duas parábolas-alegorias (o bom pastor e a vinha) relativas a esta revelação. O argumento principal do quarto evangelho, que será exposto, na síntese doutrinal, é , com efeito, este: que o Filho de Deus encarnado foi enviado pelo Pai aos homens para lhes revelar e lhes comunicar as riquezas misteriosas da vida divina.

                        É na igreja que estas riquezas lhes serão ofertadas. Na mesma medida em que o evangelho é cristológico ele é também eclesial. O ministério público de Jesus, com sua pregação e seus milagres, é apresentado como uma antecipação da vida da igreja, que santificará as almas pela palavra. Por sua vez, a existência da igreja é contemplada como uma antecipação da parusia.

                        A despeito desta importante mudança de perspectiva, o Cristo do quarto evangelho não é essencialmente diferente do Cristo dos sinóticos. Certamente, João sublinha a divindade de Cristo muito mais vigorosamente do que seus precursores; mas também entre eles é por toda a parte insinuada, a tal ponto que os sinóticos ficam ininteligíveis sem esta crença. O título enigmático de Filho do Homem, verdadeiramente próprio de Jesus e que não foi divulgado pela pregação cristã ulterior, é comum nos sinóticos e em João. Somente que João insiste mais sobre a transcendência e a preexistência do Filho do Homem; tende além disso a atenuar a distância entre seu estado terrestre e sua condição gloriosa: a paixão é mantida, mas , compreendida como o começo da glorificação, não apresenta mais aqui o caráter de humilhação sublinhado nos sinóticos.

                       
                       

                       



           










































                        CONCLUSÃO


                        Mateus apresentou Jesus como o Rei que, em princípio, era dos judeus, mas estes o rejeitaram. Marcos mostrou o Jesus Servo, em toda a humildade. Lucas o apresenta como homem. Cada um desses ângulos é de fundamental importância para entendermos a revelação de Deus em Cristo. Entretanto, João ultrapassou todas essas facetas messiânicas. Ele proclamou, acima de tudo, a divindade de Cristo. Jesus é apresentado no quarto evangelho como Filho de Deus. Tal título vai além de Filho de Davi ou Filho do Homem. Cada um desses nomes apresenta uma verdade acerca do Senhor e pode também significar pontos de vista que se possa ter sobre sua pessoa. Porém, nenhuma idéia a seu respeito será completa até que ele seja reconhecido como Deus e como Senhor. Quem chega a esse ponto, alcançou o objetivo dos evangelhos, que é apresentar o Pai através do Filho.













































                        BIBLIOGRAFIA


                        INTRODUÇÃO À BÍBLIA 

                        EVANGELHOS SINÓTICOS E ATOS DOS APÓSTOLOS
                        J.Auneau  / F. Bovon
                        Edições Paulinas

                        BÍBLIA SAGRADA
                        Versão de João Ferreira de Almeida - Revista e Corrigida
                        Imprensa Bíblica Brasileira
















Nenhum comentário:

Postar um comentário